segunda-feira, 7 de maio de 2012

O CHAMADO


Na semana passada, mais precisamente, na quarta-feira, estava com preguiça de fazer esteira depois da hidroginástica e no hall da academia, esperei por minha irmã. Enquanto aguardava, passei as vistas em algumas revistas em cima da mesa de centro, da sala que da vistas para a piscina olímpica e uma reportagem interessante me chamou a atenção.

A mulher decidida, cujo nome não lembro, fez a opção de se afastar de tudo que dissesse respeito a sua juventude, onde foi ensinada a amar e servir a Deus. Passou a não crer em nada e a viver para o mundo dos negócios. Afastou-se da família e voltou-se para os próprios interesses. A vida vazia de Deus e cheia de ilusões gloriosas lhe foi oferecida em uma bandeja de ouro, e ela aceitou.

Depois de longos anos, a mulher madura, embrutecida pela vida, voltou à cidade natal para viver o drama de ver o seu velho pai com câncer. No hospital, por vários dias, sedado por causa das fortes dores, aquele homem vegetava. Numa das idas e vindas ao hospital, que ficava no centro da cidade, ela parou na centenária igreja, onde passou a infância assistindo as pregações que o seu amado pai por hora moribundo, fazia. Saltou do carro, olhou em volta e com os passos lentos e mãos trêmulas, caminhava em direção à porta de madeira trabalhada. Entrou devagar, andou lentamente pelo corredor olhando as velhas paredes decoradas, os bancos enfileirados, aguardando o povo que não chegava. O órgão de tubos, que confuso, sem entender o silêncio do momento, ansiava por dedos macios que lhes percorresse as teclas. A cruz de madeira do altar central estava mais vazia do que nunca e, o vitral perdera o brilho das cores e, a luminosidade dos raios de sol que incidiam em cada parte dele. O púlpito vazio, já não bradava em sermões gloriosos, capazes de arrebatar mentes e corações.

A pobre mulher sentou-se, chorou em soluço profundo, voltando à mente, episódios que pensava ter deletado para sempre. Eles não serviram durante um longo período da vida, mas agora pareciam tão preciosos; tão aconchegantes. Ela queria manter o coração aquecido pela memória distante, que insistia em esfriar e lamentavelmente a pulsação dos flashes diminuía a cada instante.

Numa confusão de sentimentos a pobre mulher correu até o altar, onde tropeçando, ajoelhou-se a fim de conversar com Deus. As palavras lhe faltavam, o vocabulário de repente empobreceu para descrever a dor da ausência. A saudade nunca bateu tão forte. Tudo que ela desprezou e agora na tentativa de agarrar, escorregava pelos dedos; parecia em vão. O desespero e o vazio a fizeram perder a noção do tempo. Ficou ali, prostrada no altar vazio por algumas horas. Pensou e repensou a vida e falou com Deus em cuja presença se aquietou.

Num dado momento, a voz firme que, como brisa suave penetrou no coração, dizendo: “Aqui, é o teu lugar. Para isto, te chamei”. O consolo da voz de Deus abraçou-a outra vez. Sentou-se no degrau acarpetado em tom vermelho e enxugando as lágrimas, deu meia volta em seu atual curso de vida. Resolvida a colocar em prática tudo o que aprendeu com seu pai e no seminário onde graduou em Teologia, retrocedeu, abandonando a vida atual para tornar-se pregadora do evangelho e pastorear a igreja substituindo seu pai. Em suas palavras de arrependimento, uma luz intensa brilhou, mostrando o novo rumo a seguir. E ela agarrou com unhas e dentes a nova chance, o recomeço de algo que não deveria ter deixado, jamais.

Logo minha irmã chegou e eu não pude terminar de ler a reportagem, mas aquela história não me saiu da mente, até tornar-se matéria do blog.  Na aula seguinte, vasculhei todas as revistas, porém não achei mais a revista em que se encontrava a reportagem. Queria terminar de ler e guardar maiores detalhes, mas foi impossível.

Porém, li o suficiente para escrever sobre alguém que corajosamente voltou às raízes. Eu sou filha de pastor, e acompanhei a luta do meu pai dando a vida pelo ministério. Muitos o abraçaram e ajudaram, mas muitos jogaram pedras e elas o feriram bastante, a ponto de adoecê-lo. Aqui, faço uma pausa para ressaltar a dificuldade de ser filho de pastor. Eu fui ensinada por meus pais a ser exemplo para os demais e, assim nunca sabia o que podia ou não, fazer. A coisa é que, eu não podia ser normal como todo mundo, pois carregava a pesada cruz de “filha de pastor”. E muitas vezes, deliberadamente, pessoas colocavam mais peso sobre ela. Com o passar do tempo eu fui entendendo que o verdadeiro exemplo é Jesus, o Filho de Deus. Ele é a perfeição de Deus entre os homens.

Não estou aqui para condenar a mulher por ter-se distanciado. Nem para questionar o tempo que deixou passar sem sábia decisão. Às vezes reagimos positivamente a uma decisão, apenas quando nos encontramos coagidos por ela. O certo é que as nossas decisões na vida e pela vida, sejam por amor. Um amor consciente, que rompe as dificuldades para ser vivenciado. Não um amor de remorsos ou imposições, mas genuíno; aquele que transcende, e une mais do que corpos, une almas, que são incapazes de se separar.

Estando em Cristo, temos perfeita ligação, de forma que somos um com Cristo e, nada, nem ninguém, pode nos separar do amor de Deus.  Se para nos manter inteiros neste amor, for necessário romper com outras alianças, façamo-lo. Assim como dois corpos não podem ocupar o espaço físico ao mesmo tempo, a nossa vida não pode ser ocupada por dois senhores. Ou amamos a Deus ou a..... (e aqui cada um de nós pode acrescentar o seu tropeço individual). É tempo de retorno, É tempo de vivermos a integralidade que Deus exigiu de Abraão. “Anda na minha presença e sê perfeito”. (inteiro, íntegro)

Termino este texto com o final do poema “Moça me da uma rosa” de Mario Barreto França.



...No contraste da vida, infausta ou abastada,

Nós somos muita vez, como o órfão e a galã,

Negando do consolo de uma rosa encarnada,

Para as faltas de amor chorarmos amanhã...

        E ao peso acusador das líricas saudades,

        Vamos levar depois às mortas ilusões,

        Todo o rubro rosal das oportunidades,

        Que deixamos passar, sem úteis decisões.

                   Que possamos abrir as grades do egoísmo,

                   E ofertar a quem procura afeto e paz,

                   A rubra flor da fé, do eterno cristianismo,

                   Que na alma a renascer, não murcha nunca mais.

Grande abraço a todos.

Denise Figueiredo Passos