terça-feira, 5 de abril de 2011

ROLANDO ESCADARIA À BAIXO

Quem não gosta de assistir a vídeos engraçados, as famosas pegadinhas que nos faz rir como crianças? Algumas de tal forma inusitadas nos levam a gargalhar em dobro. Eu e minha filha Suelaine num período muito difícil de nossas vidas ficávamos acordadas até a madrugada para assistir o “American Funniest Vídeos” que nos proporcionava uma hora de divertido relaxamento.
Porém, quando todas aquelas peripécias saem da casa do vizinho e batem a nossa porta, ao vivo e em cores, a coisa muda de figura. Lembro que na adolescência, mais ou menos aos treze anos de idade, mamãe e eu tivemos uma consulta na AMSA, um extinto ambulatório de Marinha próximo a nossa casa. Após a consulta, descemos a íngreme escadaria que não possuía intervalos nos lances dos degraus e para completar finalizava com uma espessa parede de concreto à frente. Primeiro eu, mamãe vinha dois passos atrás e descíamos a escada tranquilamente, porque como diz o dito popular “pra descer qualquer santo ajuda”, quando o salto do meu sapato tocou na beira do degrau superior me desequilibrando totalmente e culminando numa terrível queda.
Meu corpo envergou para frente com o peso da cabeça em relação ao tórax e quando percebi o perigo, gritei MAMÃE!!! Mas, ela estava impotente diante daquela situação, pois, havia um intervalo de dois passos entre nós. E nestes poucos segundos que me pareceram intermináveis a ouvi clamar JESUS, TEM MISERICÓRDIA!!!
Meu corpo que já estava envergado para frente pronto para rolar escada baixo como se fosse uma bola, aprumou e então passei a saltar mais ou menos de três em três degraus até o término da longa escada. A parede que estava a minha frente, nem foi tocada por mim, parecia que tudo havia acontecido em câmera lenta. Caí sentada com as pernas dobradas para o lado esquerdo, como se estivesse num piquenique. Salvaguardada de bater com o rosto que usava óculos de grau, apenas o salto do sapato se quebrou. Nenhum osso quebrado, nenhum arranhão, nem dores. Com o coração agradecido caminhamos para casa, comentando a respeito da grandeza de Deus.
Acordei hoje pensando neste episódio e conclui que às vezes é necessário cair da escada. A sensação de medo em situações como esta nos coloca em alerta. E este medo pode ser bastante positivo. O fato é que normalmente temos medo de enfrentar situações que nos confrontam que nos olham cara a cara dizendo em tom desafiador “e agora -- quem você realmente é?” Mas, é necessário descer aos porões do inconsciente para ver o que foi sedimentado por lá, aquilo que dói tanto que deixamos trancado a sete chaves e também para saber o que podemos extrair de bom das experiências dolorosas do passado. Descer ao porão e ter coragem de explorar seus vários compartimentos é aproveitar a oportunidade que a vida dá de arrumar o interior a fim de deixar o consciente mais confortável.
O cair da escada para alguns pode ser contínuo, dependendo da atitude tomada quando se percorre o subsolo da vida. Isto pode causar um susto enorme, pois, desestabiliza as bases e às vezes isto ocorre em sua totalidade, causando uma terrível dor com efeitos irreversíveis pelo efeito das marcas deixadas, então, a pessoa passa a viver num estado de alerta contínuo, por causa do muro de proteção erigido aos trancos e barrancos. Muro este que em sua concepção viabiliza proteção imaginária ao superego conflituoso.
O cair da escada proporciona uma visualização das partes baixas do seu interior, e das câmaras secretas que todo ser humano possui. Proporciona a necessidade de se levantar do tombo levado para explorar as dependências subterrâneas da alma para quando tomar o caminho de volta a superfície, viver em maior harmonia e equilíbrio.
Este porão não tem outra porta de escape, é necessário o esforço de subir outra vez a escada. São nas vigas e nas sapatas deste porão que o seu edifício está erigido; daí a grande necessidade de cuidar bem deste compartimento, por causa dos invasores externos que não necessariamente precisam adentrar pela porta. Eles minam como a umidade mofa uma parede e então, tudo que acumulamos durante uma vida inteira se perde por causa do mofo. Este mofo subjetivo adoece sentimentos que prejudicam o relacionamento consigo mesmo e com o seu próximo.
Há pessoas que vivem presas em seus porões. Vivem presas, contando os elos da corrente na qual estão acorrentadas, buscam na religiosidade, na ciência, na filosofia, nas futilidades, a maquiagem perfeita para a resolução das suas dificuldades pessoais.
Para subir a escada é necessário:
Livrar-se dos medos – Encarar as situações catastróficas como elas se apresentam e administrá-la da melhor maneira possível.
Curar as emoções – Se for necessário procure ajuda profissional, pois, emoções mal curadas são como a doença orgânica, se mal curada, agrava-se e mata.
Perdoar a si mesmo – Esta é a maior dificuldade do ser humano. Antes de perdoar a qualquer pessoa, precisamos perdoar a nós mesmo. A culpa corrói tudo que foi construído anteriormente.
Subir a escada é, depois de toda a avaliação, cuidar do saldo positivo, saber trabalhar com ele e andar com as próprias pernas, entendendo que em todas as situações há um grande aprendizado. Viver intensamente a célebre frase deixada por Nietzsche “Aquilo que não me mata, só me fortalece”.
A misericórdia de Deus que foi exercida no tombo da escada é a mesma que me acompanha quando percorro meu porão. Ultimamente tenho feito visitas periódicas a estes compartimentos, colocando-os em ordem para um novo tempo da minha vida. Tenho algumas salas precisando de reparo, mas em compensação os depósitos estão cheios de pedras preciosas. A mão que me sustentou na queda, é a mesma que me ajuda a subir degrau após degrau. Ela me aponta a luz no topo da escada e me guia a superfície outra vez.
Chegar ao topo e explorar todas as possibilidades, viver a vida intensamente também é um grande desafio, mas eu gosto de desafios. Eles se apresentam para serem vencidos. Deixam marcas, porém me vejo fortalecida e pronta para outros desafios.
Deus abençoe a todos.
 Denise F Passos