sexta-feira, 16 de setembro de 2011

               Dez anos na Funabem
Ontem postei um artigo no blog e o amigo Jorge Luiz me deu um alerta, amigo de longa data e põe longa nisto...desde a nossa adolescência na Igreja Assembléia de Deus em Madureira. Ele namorava uma das minhas amigas quando nos conhecemos e durante muitos anos fizemos parte do mesmo grupo de amigos. No vai e vem da vida nos distanciamos e cerca de quatro anos atrás, reencontrei no abençoado Orkut, os meus grandes amigos de juventude: a Catia do Japão, a Sara, a Leninha, a Marcia Abdan, a Delma, a Eliza Tasca, a Sula, o Isvaldo, a Marciléia, Sônia e muitos outros e, o Jorge estava entre eles.

Sempre que conversamos sobre as matérias do meu blog, ele me incentiva a escrever sobre temas atuais, temas mais chocantes e polêmicos. Resolvi atender e contar um episódio que me fez muito realizada.

No ano de 1981 o grupo de jovens da igreja Assembleia de Deus em Vila Rangel, RJ, onde o meu pai era pastor, começou a evangelizar os internos da extinta Funabem – Fundacão Nacional do Bem-estar do Menor. Todos estavam presentes nas primeiras idas àquele lugar, onde garotos e jovens pouco se interessavam pela mensagem de esperança que levávamos a eles. Poucos se achegavam a nós, porém a chama que ardia em nosso interior era maior que as dificuldades. O primeiro que se rendeu a Cristo foi o Waldeci e depois, pouco a pouco o grupo foi aumentando. O grupo de evangelização foi diminuindo a cada domingo até chagar a meia dúzia de pessoas.

Meu marido, Ademilson Dorea Passos, liderava o grupo e se impunha bravamente com a direção da casa para manter o trabalho evangélico, reivindicando a liberdade religiosa que reza na constituição brasileira. Ele sentiu na pele o que é viver numa instituição para menores carentes e infratores. Visitou a maioria das igrejas da circunvizinhança e conseguiu ajuda na sua empreitada. Pessoas de várias denominações trabalhando juntas em prol da causa maior, as boas novas do evangelho. De forma que entramos em todas as nove escolas da Funebem, no bairro de Quintino e também no hospital que funcionava na própria instituição. Lembro-me do testemunho de um irmão Paulão que se encaixou perfeitamente no trabalho do hospital, onde bebês que foram abandonados pelas mães, recusavam alimentação por causa da depressão. Ele cuidava daqueles bebês com tanto carinho, os alimentava, conversava com eles e testemunhava nas visitas de supervisão da liderança, enquanto segurava a criança no colo: Este é o meu melhor sermão, este é o meu melhor hino. Não há melhor serviço para Deus do que cuidar destas criaturinhas.

Decorridos uns seis anos, tudo caminhava perfeitamente, então era a hora de partir para a Ilha do Governador para as outras escolas. Entramos em todas elas, uma a uma, inclusive na escola de infratores feminino e masculino. Lá um dia eu estava conversando com um garoto em torno dos onze anos de idade e ouvi uma pergunta que muito me chocou: Tia existe alguma coisa melhor do que roubar e matar? Eu fiquei perplexa, as palavras me fugiram, como eu responderia a pergunta daquela criança que conhecia apenas aquele tipo de mundo? Eu sinceramente não me lembro da resposta exata, mas aquela pergunta não mais me saiu dos ouvidos.

Alguns internos marcaram nossa vida. Diná foi uma delas. Linda garota, com um doce sorriso. Gostava de cantar e era a primeira a se apresentar em nossas reuniões. Um dia ela pediu oração porque não conseguia dormir e quando oramos por ela houve manifestação demoníaca e foi um grande alvoroço no pátio da escola. As que estavam perto correram para longe e as que estavam longe correram para perto, a fim de ver o que estava acontecendo. Para finalizar, ela foi liberta e como gratidão a Deus cantou um hino no domingo seguinte. Porém, ela fugiu da instituição, durante a ida para o hospital com a desculpa de que havia engolido uma agulha e acabou sendo morta, violentamente.

Rozalia que conhecemos desde os oito anos na Funabem, foi deixada aos três meses de idade na escola e aquela, foi à única casa que conheceu e lá acompanhamos o seu crescimento durante os dez anos que trabalhamos naquela escola. Sua família era os inspetores e colegas na mesma situação. Aos dezoito anos de idade ela precisou sair da instituição e passou por muitas casas, até que um dia encontrou com meu marido que a levou a nossa casa para me ver. Conversamos sobre a possibilidade de ela ficar em nossa casa até arranjar um lugar onde morar, ela foi, ficou por quatro anos e saiu da nossa casa bem casada.

Por um determinado período passamos a ir uma vez por semana, à noite, a Cinelândia levar alimento e um pouco de solidariedade aos moradores de rua, do Rio de Janeiro. A primeira vez que fui fiquei feliz pela experiência enriquecedora. Um garotinho de mais ou menos quatro anos de idade que vivia com sua família nas ruas do Centro, me amou, sentou no meu colo e nem a sua mãe conseguiu retirá-lo de lá. O pai tocava violão divinamente e ali cantamos algumas músicas, alimentamos aquelas pessoas e falamos do grande amor de Deus por elas. Fui sorrindo por dentro em todo o caminho de volta para casa, me senti melhor do que se tivesse ido a uma festa. Quando cheguei a casa tivemos que tirar a roupa na lavanderia que foi direto para o balde com água e sabão, porque não dava para ir até o quarto de tanto mau cheiro, mas eu estava feliz, realizada, por ter cumprido um dever.

Alguns dias antes do meu marido falecer, bateu a nossa porta um homem que soube da doença que lhe acometera e foi apenas para agradecer os anos de evangelização na Funabem, onde foi alcançado pelo amor de Deus e teve a vida transformada. Ele foi infrator numa das escolas e agora a sua arma era a Palavra e sua briga era com o inferno, tudo por causa de pessoas que se doaram por outras. Casado, pai de família, obreiro da igreja, sargento do exército, aquele homem foi enviado por Deus para trazer a memória anos de trabalho árduo. Muitas vezes tínhamos que diminuir a feira de domingo para sobrar o dinheiro do transporte para ir à evangelização.

No governo Collor de Mello a instituição se extinguiu e o trabalho acabou. Mas, a semente ficou plantada em muitos corações e um dia saberemos em quantos foi germinada e frutificada. Hoje as boas lembranças ficaram, de um tempo produtivo, de vida útil a Deus e ao próximo. Porém, os mendigos continuam nas ruas e muitas crianças e adolescentes abandonados à própria sorte. E muitos que dizem amar a Deus a ao próximo, sequer olham para os lados com receio de enxergar a necessidade do outro, vivem um cristianismo medíocre voltado para os próprios interesses.

Obrigada Jorge, meu amigo. Deus te abençoe grandemente. Obrigada por me estimular a escrever sobre temas atuais. Às vezes eu não acho que levo muito jeito para isto e prefiro escrever temas menos complexos. Mas, eu sei que o mundo lá fora não é cor-de-rosa, está mais para o salve-se quem puder. Agradeço a Deus a oportunidade que concedeu em nos fazer úteis à vida de outras pessoas. Como médico, sei que você também vive uma vida útil ao seu próximo. Fizemos isto não porque somos bonzinhos e caridosos, mas porque a misericórdia de Deus é grande sobre a nossa vida.
Deus abençoe a todos.
                                                                                 Denise F Passos

Na foto de família, meu marido, Pastor Ademilson Dorea passos, eu, a Dulce de conjunto vinho - filha de criacão, Rozalia de jardinneira quadriculada - filha de criacão, Suelen a mais alta,Sueni a frente dela, e a pequenina Suelaine, filhas.