terça-feira, 31 de maio de 2011

ENCAIXE, FUSÃO, ENXERTO OU UNIDADE?

O céu era acinzentado em Ilhéus, quando voamos para Salvador em conexão com Brasília. Durante este percurso choveu um pouco e as nuvens que encobriam qualquer faixo da luz solar, espalharam-se sobre todo o horizonte, permitindo apenas que a fugaz claridade as transpassasse, ao sobrevoarmos o Atlântico.
Meu neto que olhava atento pela janela observando o tempo, irrompeu com a pegunta? Vovó, você consegue ver onde termina o mar e começa o céu? Olhei pela janela na tentativa de identificar a linha divisória entre os dois elementos e não havia diferença alguma entre a cor do mar e do céu naquela tarde cinzenta; nem qualquer tênue linha do horizonte. Tão diferente de dois dias atrás, quando os raios solares brilhavam sobre o cartão postal da Praia do Sul e a areia morna e branca, molhada pelas ondas incansáveis, nos convidavam a entrar para um mergulho no seu vai-e-vem alternado.

Os tons de azul do céu, salpicado de pequenas nuvens brancas e o mar que bailava incessantemente, não se confundiam na paisagem. Os frondosos e verdes coqueiros, mais a vegetação rasteira mudavam a cor do cenário, aliados a barracas coloridas dispostas ao longo da orla pelo comércio local, onde a culinária baiana é apreciada pelos turistas.

Depois de observar atentamente, eu respondi: «A tempestade os uniu, meu querido, e não dá para identificar divisão alguma entre eles».

Aquela cena e a resposta dada ficaram martelando na minha cabeça por dias e me fez pensar que, enquanto tudo é luz, alegria, festa, paz, harmonia e tantos outros que fazem parte deste conjunto da vida, as diferenças podem ser percebidas, mesmo as mais sutis. É difícil ocultar quando tudo é definição, quando todos os elementos podem ser visualizados com clareza. Os traços que delineiam desejos, vontades, sentimentos e atitudes, sem sombra de dúvida se revelam na presença de quem estiver disposto a observar.

Diferentemente, quando a tormenta chega, trazendo todo tipo de dificuldade, escuras e espessas nuvens que causam confusão e abalam o que antes era belo e definido, é que as diferenças precisam ir embora. É a tormenta que forja a unidade. O tempo de bonança apenas delineia os pontos que serão ligados quando a borrasca chegar. E, neste espaço de tempo, mesmo que tudo esteja acinzentado, com pouca visibilidade, alguém vai observar, e não vai saber onde termina um e começa o outro. Só desta forma há compreensão de unidade. Unidade - que é bem mais do que um simples encaixe, mais do que uma mera fusão, mais do que uma tentativa de enxerto.  Unidade é entranhamento total.

Na verdade somos tentados a pensar exatamente o contrário. Pensamos que nos tempos de dificuldade é onde as coisas se definem negativamente pela disposição dos pensamentos, pela separação dos sentimentos e pela definição das oposições. Isto realmente acontece na vida de quem não dá o mínimo valor aos relacionamentos, a família, ao casamento, enfim, a amizade. Ocorre uma troca de valores, ou melhor, eles próprios se revelam quando a dificuldade bate à porta. A ruptura só ocorre quando o egoísmo vem a ser maior do que todos os sentimentos nobres.

Quando temos duas peças que se encaixam perfeitamente sem que sobre aparas e haja perfeição neste encaixe, ainda assim percebe-se a linha divisória de contorno entre as peças.

A fusão é o ato de conjugar duas ou mais coisas e torná-las uma só. Porém, numa fusão ainda se pode perceber os distintos departamentos de uma sociedade ou coisa semelhante.

Enxerto, por sua vez, é uma operação, onde um tecido ou uma planta é colocado dentro do outro para se misturarem dando origem a um terceiro elemento diferente do atual. Num enxerto perde-se a integridade dos componentes no resultado final.

Enquanto isto, unidade pode ser composta de dois ou mais elementos e mesmo assim ser um só. Temos como exemplo o ovo, que é composto de gema, clara e casca e mesmo assim continua sendo um ovo, uma unidade. Ninguém que olhe vai dizer que é uma gema, cercada de clara, envolvidos por uma fina casca.

Interessante, que, este visual é obtido justamente por quem está distante. Os observadores da vida alheia, seja pelo motivo que for, detectam com distinção qualquer rachadura naquilo que deveria ser uno. A pressão da situação força um esgarçamento nas cordas do coração que, cansadas do longo período de resistência, afrouxam. Neste caso, é necessário usar a força de reserva que todo ser humano tem e nem percebe que existe. Força esta que está dentro de cada um de nós, armazenada para tempos de necessidade. Quem corre da briga, desiste da situação e não usa a força de reserva, é covarde. Não luta porque não quer lutar, acha mais fácil desistir, pois não valoriza todo o investimento feito ao longo de toda existência.


Ser um com Deus, com você mesmo e com o próximo, é o resultado da aprovação dos momentos de tormenta. Momentos em que se é tentado a desistir pelo cansaço de lutar, uma luta que parece em vão. A tempestade logo passará e o sol tornará a brilhar para outra vez delinear a silhueta da vida que Deus decretou para você. Esbanjando felicidade, para glória de Deus, você olhará para trás e se gloriará nas marcas que a tempestade deixou, pois depois da calamidade, a sua terra passa a produzir a mil por um.

Deus abençoe.

                                                                                     DENISE FIGUEIREDO PASSOS